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PARA
ESPECIALISTAS, EM BREVE, DOIS TERÇOS DAS MATÉRIAS
PUBLICADAS SERÃO ESCRITAS POR ROBÔS |
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O dia 17 de março do ano passado começou como qualquer
outra corriqueira manhã de segunda-feira para os habitantes
da populosa Los Angeles (EUA). Até que um terremoto
de 4,7 graus de magnitude tirou os moradores de suas
camas às 6h25. Exatos três minutos após o ocorrido,
o jornal americano Los Angeles Times trazia a informação:
“Segundo o Serviço Geológico dos EUA, um tremor de
pouca magnitude de 4,7 graus aconteceu na segunda-feira
de manhã a oito quilômetros de Westwood, Califórnia.
O tremor aconteceu às 6h25 da manhã, hora do Pacífico,
a uma profundidade de oito quilômetros”.
Primeiro
veículo a reproduzir a notícia, a matéria foi assinada
pelo repórter Ken Schwencke. Na realidade, ele só
apertou o botão publicar, pois o texto já havia sido
escrito por “Quakebot”, um robô jornalista. Schwencke,
que também é programador, criou um algoritmo planejado
para extrair elementos relevantes do Serviço Geológico
dos Estados Unidos (USGS). Assim que o USGS emite
um alerta sobre um terremoto de magnitude significativa,
no caso superior a três na escala Richter, o algoritmo
captura os dados dessa notificação e os insere automaticamente
em um modelo de texto pré-escrito. Logo após, carrega
o artigo para o sistema de gerenciamento de conteúdo
do jornal como um "draft" e envia uma notificação
por e-mail para Schwencke e outros editores, que apenas
têm o trabalho de ler a matéria por segurança e publicá-la.
A
equipe de dados do Los
Angeles Times não é novata no assunto. Em um
passado não muito distante, desenvolveu um mecanismo
similar que compila referências sobre homicídios ocorridos
na área de cobertura do jornal.
Segundo
Noam Lemelshtrich, reitor da Escola de Comunicações
do Centro Interdisciplinar de Herzliya (Israel), mestre
em sistemas de engenharia pela Universidade de Stanford
e doutor em comunicações pelo Instituto de Tecnologia
de Massachusetts (MIT), a grande mudança no uso da
robótica no jornalismo ocorreu em 2010, quando os
algoritmos de inteligência artificial foram desenvolvidos
em universidades de ciência e laboratórios de comunicação,
com o claro objetivo de substituir o profissional
como um contador de história.
Crédito:Divulgação
Noam
Lemelshtrich, reitor da Escola de Comunicações do
Centro Interdisciplinar de Herzliya (Israel)
“A
primeira tentativa comercial foi feita na Universidade
de Northwestern (EUA), em um projeto de pesquisa chamado
‘Stats Monkey’ – na tradução livre, ‘Macaco das Estatísticas’.
Ele foi programado para gerar automaticamente dados
durante um jogo de beisebol. A pesquisa foi conduzida
pelos doutores Kristian Hammond e Larry Birnbaum,
co-diretores da empresa americana Narrative Science
(NS)”, afirma Lemelshtrich. Essa iniciativa deu a
largada para novos projetos. A companhia logo desenvolveu
uma plataforma baseada em inteligência artificial,
o Quill, que utiliza as estatísticas das quais se
alimenta e, em uma fração de segundos, literalmente
produz notícias.
“O
Quill foi criado para que os clientes da NS selecionem
o tom das histórias. Ele foi planejado para aprender
a linguagem do domínio que está cobrindo e escrever
os textos de forma apropriada. Por exemplo, há uma
demanda para escrever notícias sobre restaurantes
de uma determinada cidade. Usando um banco de dados
de resenhas, o Quill aprendeu os componentes relevantes
de uma revisão de estabelecimentos, tais como notas
de pesquisa, nível de serviço, experiência de alimentos
e citações de clientes. Os especialistas da Narrative
Science acreditam que as histórias serão capazes de
fornecer algo mais explicativo e, em última análise,
artigos de forma longa”, explica Lemelshtrich.
AMEAÇA?
A
novidade causou rebuliço entre os profissionais. E,
entre tantos questionamentos, um impera: será que
os jornalistas serão substituídos? As três leis da
robótica criadas pelo escritor Isaac Asimov, que inspirou
o filme “Eu, robô”, buscam tornar possível a coexistência
entre robôs e humanos. Por enquanto, não existe nenhuma
lei que deixe claro como devemos reagir a essa novidade.
Para Alec Duarte, coordenador e professor dos cursos
de pós-graduação em comunicação multimídia e jornalismo
esportivo, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)
em São Paulo, essa discussão demonstra um momento
bastante crítico da profissão.
Crédito:Divulgação
Alec
Duarte, coordenador e professor do curso de pós-graduação
em comunicação multimídia da FAAP
“Os
artigos concebidos a partir de algoritmos são absolutamente
relatoriais e precisamos de pessoas que possam explicar
o porquê das coisas. Essa tecnologia é um grande apoio
para que os profissionais se livrem de textos burocráticos
e façam jornalismo de verdade. Se não trouxermos nada
além do relatorial, podemos sim ser substituídos por
máquinas. Cabe a nós mostrarmos que é obvio que pessoas
são necessárias”, opina Duarte.
Para
os que já estão assustados com essas mudanças, Lemelshtrich
vai além. “As empresas de mídia devem se submeter
a mudanças dramáticas na próxima década devido à introdução
de processos automáticos de inteligência artificial
em todos os aspectos da produção e divulgação de notícias.
O jornalismo robotizado oferece novas oportunidades.
No futuro, eu prevejo que dois terços das histórias
serão escritos por robôs e um terço por humanos”.
Se tudo isso já está acontecendo, não ficaremos surpresos
quando as primeiras demonstrações de energia de fusão
aparecerem; voos comerciais forem realizados sem pilotos;
uma base for instalada em Marte e quando surgir o
primeiro humano clonado.
MUNDO
REAL
Na
década de 1980, o desenho animado “Os Jetsons” já
retratava uma realidade futurística, com direito a
carros voadores, cidades suspensas, trabalhos automatizados
e robôs como criados. Dentro do universo do jornalismo,
os robôs se parecem mais com funcionários. Criada
em 2010, em Chicago (EUA), a Narrative Science já
tem trinta clientes e acredita que, em cinco anos,
terá programas espertos o suficiente para ganhar o
“Prêmio Pulitzer” e que, em 15 anos, pelo menos 90%
do noticiário será produzido por softwares, segundo
informações da revista Superinteressante.
Não
ficaríamos muito surpresos se isso acontecer, afinal,
nos últimos anos, a maior parte dos trabalhos vencedores
do “Pulitzer” tem como pano de fundo o uso da lógica
computacional aliada ao jornalismo. Por ora, os robôs
jornalistas produzem reportagens majoritariamente
sobre esportes e balanços financeiros, como é o caso
de um blog da revista Forbes. Para Ryan Calo, professor
na Escola de Direito da Universidade de Washington
(EUA), especializado em robótica e drones e colaborador
da Forbes, as principais vantagens dos algoritmos
são: menor custo e rapidez.
Porém,
segundo Calo, a tecnologia pode gerar alguns desafios
inesperados. “O que surge como interessante é quando
o programa faz uma alegação falsa por acidente. Nos
Estados Unidos, a cláusula de livre expressão da Constituição
protege jornalistas de processos de difamação, exceto
em casos onde eles atuaram com malícia verdadeira.
Seria difícil mostrar que uma alegação falsa gerada
por um computador é maliciosa. Ao mesmo tempo, o estrago
foi feito. Então, você tem o problema legal e ético
de ter uma vítima sem um criminoso”, explica Calo.
Crédito:Divulgação
Tiago
Dória, jornalista especializado em estratégia e
inovação pelo MIT
De
acordo com Tiago Dória, jornalista especializado em
estratégia e inovação pelo MIT e autor de um blog
sobre cultura digital, tecnologia e mídia, o alinhamento
entre o jornalismo e a lógica computacional é um caminho
sem volta. “Nos últimos anos, a área de TI é uma das
que mais tem viabilizado novos processos e produtos,
vide o uso dos algoritmos e sites interativos. No
entanto, esse alinhamento deve vir acompanhado de
uma mudança de processos, caso contrário servirá somente
para automatizar os erros. Um exemplo é o uso do Facebook
e do Twitter, os quais, muitas vezes, servem somente
para escancarar o quanto algumas publicações ainda
não sabem lidar com a presença dos leitores e dos
concorrentes tão próximos do seu território”, completa
Dória.
RECORTE
BRASILEIRO
Trazendo
essa tecnologia para terras brasileiras, já podemos
ver iniciativas pontuais por aqui. No início de 2010,
o departamento de informática da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) firmou uma parceria
com a Globo.com para o uso da Web Semântica na editoria
de esportes. O projeto foi resultado da tese de Rafael
Pena, funcionário da Globo.com e aluno da PUC-RJ.
O software funciona como um ‘recomendador’ sobre qual
gancho dar na matéria de esporte, especificamente,
um jogo. No momento, o projeto está suspenso por razões
internas do veículo.
“Foi
feita uma análise das estatísticas de jogos e definidos
perfis típicos de acordo com uma combinação de indicadores.
Cada conjunto indica um tipo de partida, a ferramenta
gera insights, por exemplo, se foi uma virada ou uma
goleada. Caso seja uma goleada, o sistema oferece
dados dos últimos jogos entre os dois times, as recentes
goleadas no mundo do futebol e números relevantes
para complementar a reportagem. Ele informa, por exemplo,
quando foi a última vitória do time contra o adversário.
São informações que, muitas vezes, o repórter desconhece
ou passa despercebido. O sistema sugere o approach,
o profissional pode aceitar ou não”, afirma Daniel
Schwabe, coordenador do projeto e professor da PUC-RJ.
Outro
exemplo citado pelo professor é o Futpédia, também
da Globo.com, onde todos os textos são gerados automaticamente.
Segundo Schwabe, esse tipo de trabalho depende exclusivamente
de números para que o sistema possa se basear. “Acho
que, no Brasil, esse tipo de geração de texto é mais
complicado, pela natureza da profissão. Nos Estados
Unidos, artigos sobre esportes são recitais de estatísticas,
me parece algo mais padronizado, com diversos clichês
que podemos incluir”, conclui Schwabe.
De
acordo com Dória, esse modelo funcionaria melhor em
editorias onde prevalece um trabalho corriqueiro e
monótono, como conferir relatórios sobre o trânsito,
planilhas de gastos públicos, estatísticas esportivas
e boletins policiais. Mas, segundo ele, as publicações
brasileiras são reticentes em abraçar novas tecnologias
e isso não acontece pela escassez de dinheiro nas
empresas nacionais, mas pela falta de uma cultura
inovadora e estratégica. É esperar para ver.
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